terça-feira, 7 de maio de 2019

Mãe do Sorriso. José Antonio Saja.





Hoti epoiesem moi megala hô dinatos, kai hagion tô onoma autu! (Lc, 2)

“Aqui não vou fazer senão uma coisa: Começar a cantar o que devo repetir eternamente –” As misericórdias do Senhor!!!”


“Antes de tomar a pena, ajoelhei-me perante a estátua de Maria (aquela que nos deu tantas provas das preferências maternais da Rainha do céu para nossa família), supliquei-lhe para guiar a minha mão a fim de que eu não escreva nenhuma linha que não lhe seja agradável. Em seguida, abrindo o Santo Evangelho, meus olhos caíram sobre estas palavras: - “Tendo Jesus subido a uma montanha, chamou a si de quem se agradou, e eles vieram a Ele.” (Mc. 3, 13). Eis aqui o mistério da minha vocação, de minha vida inteira e, sobretudo, o mistério dos privilégios de Jesus sobre minha alma..... Ele não chama aqueles que são dignos, mas aqueles de quem se agrada ou como diz São Paulo: “Deus tem piedade de quem Ele quer e faz misericórdia a quem quer fazer misericórdia. Isto não é a obra daquele que quer nem daquele que corre, mas de Deus que faz misericórdia”.

A estátua a que se refere Teresinha é chamada de “Virgem do Sorriso”, a mesma diante da qual, ajoelhada no dia 11 de junho de 1895, pronunciou a sua Oferenda ao Amor Misericordioso e a que a curou de uma gravíssima doença da sua alma.

O que me proponho aqui é isto mesmo o que falou Teresinha: dizer das misericórdias do Senhor! Na verdade desejo apenas situar esta minha homenagem à minha Senhora do Sorriso em uma clara, decisiva, consciente, deliberada referência àquela que é a minha irmã, amiga, companheira de viagem, diretora espiritual, madrinha, mãe, colega de trabalho, mestra de oração... foi ela quem deu esse título a esta imagem, a Virgem do Sorriso, quero aqui agradecer ao Senhor por me conceder desde sempre e incansavelmente logo a sua predileta e para que ela passasse, literalmente, o seu céu tomando conta de mim!!!

Teresinha aos doze anos, ainda tão novinha e já tão provada pelo sofrimento... Que sofrimento? Todos aqueles que atingem a alma: traumas, medos, inseguranças, desencantos, incompreensões, perplexidades, insignificâncias, hiper-sensibilidades, perdas, mais perdas ainda, absurdos provindos da dureza da vida dos exilados deste mundo, ansiedades, depressões e tantas outras e indizíveis provações que corroem brutalmente o sentido da vida e que levam a nós todos, perigosamente, ao fundo do poço... Enfim, tudo aquilo que nós aqui sabemos tão bem em uma menor ou maior proporção!!!

A pequena Teresa ficou repentinamente doente, doença vinda da alma, hoje em dia se diria que ela sofreu com uma espécie de somatização, colocou no corpo todos os sofrimentos do seu espírito já aos frangalhos... Ela na verdade resolveu fazer valer a sua dor - às vezes o que resta é só sofrer! - o sintoma da condição demasiadamente humana e disso a vida de Teresa é exemplar: dois meses de dores de cabeça, ausências, torpores e desenganada pelos médicos... Mas para além de toda simetria compreendeu, a partir daquele momento, que só Deus lhe basta, que sempre vem pela presença do Sorriso de Maria, e que para além da tormenta, ou melhor, é justamente na sua tormenta que Jesus chega, vem, acalma os absurdos, dá sentido a sua dor, transforma a sua vida ... Jesus, seu único amigo, seu verdadeiro amor! Esta experiência tão inusitada na vida de Teresa foi, sem dúvida um convite para fazer da sua vida uma companhia irredutível a seu Jesus no Jardim das Oliveiras, prenúncio da Paixão de Teresa. Sim, a pequena Teresa aceita ser consumida tão radicalmente pelo fogo do amor misericordioso que, acredito, até mesmo o próprio Deus se surpreendeu com a maturidade, a largueza de espírito desta menina, tão ousada, tão destemida como só mesmo Francisco de Assis!

A doença de Teresa, ela mesmo diz: “Não sei descrever tão estranha doença...”. Vivendo assim a sua fragilidade infinita a mesma do Horto, Tereza pede misericórdia a Sua Mãe: “Ao não encontrar nenhum socorro na terra, a pobre Teresinha voltara-se para sua Mãe do Céu, pedia-lhe de todo o seu coração que tivesse piedade dela... De repente a Santíssima Virgem me apareceu bela, tão bela como eu nunca vira nada tão belo, seu rosto respirava uma bondade e uma ternura inefável, mas o que me penetrou até o fundo da alma foi o “arrebatador sorriso da Sta. Virgem”. Então todas as minhas penas desvaneceram-se, duas grossas lágrimas jorraram de minhas pálpebras e correram silenciosamente pelas minhas faces, mas eram lágrimas de uma alegra sem mistura... Ah! pensei, a Sra. Virgem sorriu para mim, como estou feliz...” (Ha, 96).

A partir daí se chama Virgem do Sorriso esta imagem que hoje se encontra no Carmelo de Lisieux, exatamente a ela a quem escolhi para ser a minha padroeira aqui nesta Academia Mater Salvatoris, pelas graças da minha pequena Teresa, porque sei que este lugar aqui é dela, da Doutora da Igreja pela Ciência do Amor!

Sim, me sinto aqui substituindo a doce mártir, a missionária, a doutora, a pobre Teresinha, desculpem-me falar assim... Mas não consigo entender a indicação do meu nome se não for desta maneira: mais uma estratégia desta garota que insiste em não desistir de mim! Que bom que seja assim!

Gostaria, já que é a primeira vez que me refiro a Teresa por Teresinha... é que aproveito aqui este espaço para colocar alguns pensamentos sobre ela como caminho para fundamentar a minha escolha Virgem do Sorriso, porque corremos os risco, ela e eu, o risco de não sermos devidamente compreendidos...

É que não me ocorre Teresa como super sensível, doce, menina meiguinha, pueril, tola que as pessoas gostam de adocicar a trajetória de sua vida... Tereza, assim como compreendo, fala da fragilidade, da hiper-sensibilidade, da inconsistência, da insipiência humana, mas não como atributos exclusivos dela, quero dizer não são dela esses atributos a não ser enquanto personificação da condição demasiadamente humana do homem todo e de todos os homens, que precisa ser denunciada, protestada e superada. O Monte das Oliveiras de Teresa é a sua opção, é a sua desobediência frente a um mundo que, isso sim, é tolo, frágil, fraco, inconsistente sem Aquele que é a razão da vida, do mundo todo! Jesus é o seu guia, a sua estrela, como ela diz em Viver de Amor, Ele é a sua vela.

Estar ali no caminho, querendo sair e não sair só mesmo Jesus e aqueles a quem Ele quis contar para a tarefa de redenção do mundo. Em Teresa cumpriram-se, radicalmente as palavras de Paulo: completo em mim aquilo que falta a cruz de Cristo! Nela Deus renasce, se é que posso dizer assim, porque ela abre mão da sua vida em favor da causa de Jesus, porque compreendeu o homem na sua totalidade, e quer lhe propor uma experiência de extrema importância, única na superação dos sofrimentos humanos: viver os mesmos sentimentos que Cristo Jesus, e nisto é que se dá a sua vocação missionária: Teresa, irmã de todos os homens na sua condição demasiadamente humana, abre mão da sua vida em favor dos pobres, e quem são esses pobres; aqueles que sofrem, todos nós então! Sim e por isso mártir do amor, vítima de holocausto – aqui cumpre uma tradução: holos = todo e cáusticos = queimar - porque quer que o amor triunfe não importando o preço: ser consumida por amor! Como entender essa expressão na boca de uma criança?

Ora, me parece que, o significado da infância espiritual adotada por Teresa como caminho, na verdade, nada mais é do que a presentificação da plataforma cristã porque abraça todo o Evangelho - daí o seu nome de religiosa ser do Menino Jesus! A infância espiritual, como itinerário, nos reporta de imediato a kenosis, que quer dizer do mais nobre sentimento de Cristo Jesus, que não se apegou ao ser semelhante a Deus: a encarnação do Verbo divino é do dom do amor sem medida, sem preconceitos e, sobretudo, sem julgamentos, tudo aquilo que se antecipa até mesmo ao perdão. Infância, aqui, não se trata de um adoçamento do evento do nascimento do Menino Deus. Deus em Jesus, assumindo a nossa humanidade vem viver incisivamente todos os sentimentos dos homens, exceto o pecado, e nos convida a pensar e viver no seu amor como um olhar transfigurado, a saber: olhar e ver o Senhor, a Trindade triunfante, no interior de cada homem e de cada coisa também com um olhar infante, puro como o olhar da criança que é o mesmo olhar de Deus, desprovido de interesse, de mentiras, de inveja, de ciúme, mas um olhar só de acolhimento e de ternura, pleno de candura e apreço, isto sim é desafio da infância espiritual! É desta compreensão, da vida enquanto uma consagração e adesão ao amor sem condições, que vem o segundo nome religioso de Teresa: da Sagrada Face, o mesmo amor do princípio ao fim, um amor incondicional, antes de todo poderoso, todo misericordioso, que nasce e que morre, que não se intimida, que confia... sim, o título maior do pobre menino das palhas, o mesmo do pobre crucificado... a pobreza da qual todos nós queremos fugir!

O seu título de Doutora da Igreja pela ciência do amor, diz que o caminho por ela percorrido é o itinerário seguro na medida em que abraça todo o Evangelho; Deus é Amor, eternamente Alfa e Omega.

Teresinha foi mártir desde os seus primeiros anos! Sim, ela foi convocada a trazer ao século XX, tempo da modernidade, do esplendor da razão, a atualidade da kenosis de Deus, do esvaziamento em um momento crucial da celebração do eu, do esvaziamento da fé, da relativização da transcendência! Terezinha é, sem dúvida, não só a maior santa dos tempos modernos, como bem disse o papa Leão XIII, mas a resistência primeira a um mundo despneutizado, narcotizado pelas ilusões, um mundo que já no seu início desvalorizava a vida, celebrava a destruição do silêncio, das máquinas e o despropósito da devastação natureza, do compartilhamento, da compaixão e do amor, enfim... Teresinha assim foi a mais moderna dos modernos, alertando já no seu nascedouro os riscos de um modo de viver a vida inconsistente, tolo, oportunista... Sim, carmelita, revolucionária na sua contemplação, ritualiza, e reatualiza, o Fiat da Virgem de Nazaré: a também pequena Maria do Magnificat, que com o seu sorriso para o anjo Gabriel, comemora o esplendor dos tempos, aquela que primeiro vê o rosto de Deus e sorriem juntos! O mesmo sorriso que vem a Teresa como sinal da presença daquele que é tudo em todos, que vive na luz inefável... a cura vem por Maria, pelo sorriso, pela cumplicidade, este mesmo sorriso que podemos agora mesmo sentir anunciando que Ele vem, está vindo...

Meus queridos amigos, nada é mais precioso do que sabermos que a Mãe de Jesus renova este mesmo sorriso de cumplicidade, de acolhimento para cada um de nós, esta é a nossa companheira e Terezinha entende isso com uma profundidade sem par!

A minha escolha de tomar como padroeira Nossa Senhora do Sorriso é porque preciso dele para viver... a cada dia... sei que dou muito trabalho aos moradores do céu... mas fazer o que...? Ele veio para os pobres, essa é a minha esperança, digo, a minha única certeza!!!

Sou oblato beneditino, o meu nome é Ir. francisco, com minúscula mesmo... acho que fica tudo explicado... Francisco é aquele que, entendendo todo o mistério do sorriso de Deus por nós, pela primeira vez na história refaz o presépio, retoma este Sorriso de Maria pra poder se entregar por Ela aos braços de Jesus...

Enfim é isto... a minha palavra sempre será: Senhor, você sabe tudo, você sabe que eu te amo... e sei que você me ama!l! Obrigado, obrigado, Senhor! Ou apenas... Obrigado, que é o que eu quero dizer quando a gente se vir no Céu!


*Discurso de posse do confrade José Antonio Saja na Academia de Letras e Artes MATER SALVATORIS. Comovidos, agradecemos à querida Alice Santos (de Saja) pelo envio deste texto.

Um comentário:

  1. Teresinha tem esse dom de deixar as pessoas se sentirem amadas pelo Pai , pelo Menino Jesus e Sua e nossa Mãezinha Sagrada, tão amadas nos sentimos , que queremos testemunhar e dar esse Amor , como amorosamente faz nosso irmão amigo Saja.

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